sábado, 14 de maio de 2011

Devotos certos

Dar ao incerto o decerto que sim
sem descrito.
Pode ser o que for que seja,
como ser, o é provável ser.
O mais certo é o pouco que sobeja.
E de barato se dá o dito que por estrago
e se for o dia repetido,
aos votos repetentes,
foi a vacina que não prestou.

Contornos obscuros da culpa.
A canga da besta aviada
com chorrilhos de palavras vãs,
cuspidas, serpenteando as vidas,
sem valor, — as palavras.
Devotos certos.

O melhor poema do Bordalo Pinheiro

A capear os derrotes da vaidade
Ou a despertar a vela do cancioneiro
Com argila ou outra força e vontade
Se ergue o poema do Pinheiro

Dito, cantado, a chorar saudade
Ou cantil, agressivo do vozeiro
Cândido das palavras, vitalidade
Fálico, rijo, o poema do Pinheiro

Já passado que foi na cor o pincel
De rosa carregado ressalta o capitel
E é declamado o poema do Pinheiro

São dos mandados... rios ofendidos
Dos gestos ínfimos aos desmedidos
Que cabem no toma lá! por inteiro

Do que se faz

De um só pano faz um fato o alfaiate
De cortes em remedeio a sua farda
Ao barco refém já se faz o calafate
De martelo e cravo e a serra dada

O retrato em papel de branco mate
Daquilo que faz porém não guarda
É no pardo destino o plano encarte
De riscos e alfinetes, tábua marcada

Os silêncios mastigados de lua nova
A mostarda no pão-de-ló, dado a prova
E os duendes a gargalhar nas gavetas

De popa, o vento mareiro se avizinha
Que da manta farta, a vela aqui bainha
Se abrirem as escotilhas das valetas

Vanglória do fracasso

Vanglória do fracasso
Da desgraça e morte
Políticos do passo
Do reino sem norte

Eleitos logo encalham
A vida, as coisas dela
A esperança retalham
A fazenda, a espinhela

E os incautos pecam
E fazem jus à maldição
As farpas que defecam
Nas urnas da eleição

A chiça

Ofendido. Em reacção rasgo o jornal.
Hoje não leio mais. Estou no fim da linha.
Para arreatas antigas não tenho bornal.
Abriu a época estival da mentirinha!

Sim, não, sim, talvez. Eu não disse isso!...
Porra!... Disse a Marquesa. Não foi ela?
Foram as tetas? Ah! Foi o anão remisso.
Bom... Ordem na mesa. Ou na panela?

E em carreirinha para a Suiça,
Com educação, lá vai a chiça.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Estou chateado

Estou chateado “pá”.
Hoje não sou boa companhia para ninguém.
Nem para ti.
mas é com este espírito
que vou falar contigo.
Dizer-te o que estou a sentir,
para aliviar.
De coçar já tenho o saco cheio.

No tempo do silêncio, oiço vozes no vazio
que chamam o poeta que escreve de amor,
flores e horrores celestes.
Mas porque não das chatices?
Quando tudo à volta é chato.

— Era uma vez um país...
de tão pequenino que era,
era governado por chatos.

Podia começar assim!...
Pensando bem,
os elementos parecem saídos
da Banda Desenhada.
Se alguém os ligasse ao real
ou à esperança perdida,
eu poderia cantar alegres versos
e de graça sorrir.

Loucura

Loucura pacífica, criativa,
Do bom ou do mau, é igual
Gargalhada em acção aflitiva
Sorvida dumas linhas de jornal

O que faz rir assim
Ao sisudo e ao malfadado,
É saber que não é jasmim
Do monte, perfumado,
Que lhes deixa o selim
De merda deputado