domingo, 12 de dezembro de 2010

Estou chateado

Estou chateado “pá”.
Hoje não sou boa companhia para ninguém.
Nem para ti.
mas é com este espírito
que vou falar contigo.
Dizer-te o que estou a sentir,
para aliviar.
De coçar já tenho o saco cheio.

No tempo do silêncio, oiço vozes no vazio
que chamam o poeta que escreve de amor,
flores e horrores celestes.
Mas porque não das chatices?
Quando tudo à volta é chato.

— Era uma vez um país...
de tão pequenino que era,
era governado por chatos.

Podia começar assim!...
Pensando bem,
os elementos parecem saídos
da Banda Desenhada.
Se alguém os ligasse ao real
ou à esperança perdida,
eu poderia cantar alegres versos
e de graça sorrir.

Loucura

Loucura pacífica, criativa,
Do bom ou do mau, é igual
Gargalhada em acção aflitiva
Sorvida dumas linhas de jornal

O que faz rir assim
Ao sisudo e ao malfadado,
É saber que não é jasmim
Do monte, perfumado,
Que lhes deixa o selim
De merda deputado

Nas asas dos sonhos

Os fantasmas nas asas dos sonhos
Os sonhos nas asas dos fantasmas
Assombrosa sinfonia de asmas
Empastelados os sentidos ave-risonhos

Canteiro semeado de mais tristonhos
E as valquírias que despertam suas carmas
Astenia apossada nos trabalhos de armas
Nestas coisas se na eira usam-se os conhos

No rescaldo do fogo a demandada
Pode ser que fique quente esta coutada
Partem os fantasmas nas asas dos sonhos

Ficam sonhos sem asas e fantasmas servos
Silvados por desbravar e regimes de nervos
E fica a esperança no reviralho sem medonhos

sábado, 21 de agosto de 2010

Tranquilamente

Alegres jograis que me cantam
a voz do melro piada
no juízo afinado pelas linhas cruzadas
e infinitas,
dos labirintos desenhados
como quem crê.
E nas notícias cantadas
por tais alegretes,
arrancadas das ausências
feridas pelos açoites da razão,
espero eu ser agraciado
pela melodia que verte o mel
dos favos sobre o escrito.
E no embalar do pio
adormecer tranquilamente.

8422

Hoje,
nas guerras volantes
dos novos “cowboys”,
destiladores de aguardentes,
das papoilas cultivadas,
as tropas nobres são prendadas
generosamente
— voluntários a heróis.

Ontem,
à força desertores
das nossas terras e amores,
daqui nos levaram
e sem perguntar a vontade,
roubaram o tempo.
Nas asas da psico,
fomos levados a combater
miseravelmente além-mar
— pela Pátria.
No mesmo hoje, somos tantos a expiar
— na mesma Pátria.
Que mestrou o esforço
Para nos esquecer.

Falazar

Falazar, falazar. E a malta vai
Pisar, pisar. E a malta sente
Quanto mais depressa cai
Mais de burro é repetente

Será sim, e assim valente
O que diz não, sem ter pai.
A plebe do sim contente
Deste infortúnio assim não sai

Ser feliz neste sítio até podia
Memória fosse dada a quem magoa
São outros a construir o meu dia

Contradição que se apregoa
E confiar já não sei em quem seria
A liberdade é paga assim, por boa

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Dança de navalha

Jardim benfazejo
com espiar de Arcanjo
e cuidados celestes,
para leis negras de vestes
dar música de realejo

No pantanal de gravatas
afogam as bravatas
dança de navalha, um beijo

Hoje há teatro

Hoje há teatro!...
A maior peça do mundo!...
— Vida lixada...

Todos são actores,
acidentais é certo,
como certo é o desespero
de tal encenação:
a casa, a praça, o imposto,
o desemprego,
o mal empregado actor.
Papel de embrulho, o nosso,
importado.
Distribuído a todos à chegada
com fitas de seda.

— Peça contínua
em muitos actos,
cenas tristes.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Nada mudou

Os arautos do reino
com floreados na manga
e penachos na voz,
a terreiro frequente
anunciam as delícias da plebe:
— As viagens reais
— A novela do Príncipe
— Os jogos florais
— O filho que matou a mãe à dentada
em cima de uma oliveira...
— O machado em contra-mão.

O povo em delírio, repetidamente,
aplaude as novas.
As velhas; impostos e outros assaltos,
são conformados lusitanos:
— Ah!... Não vale a pena...

Nada mudou.

Retumbar

Quando das gaivotas em terra se diz (...)
como o tempo que aí vem,
das vontades reprimidas ensaiadas,
a descambar do reflexo da razão
e que revolve a paz do sino.
— Que alerta.
E tu? Mouco, ou manco da ideia?
Que não sabes das gaivotas
nem ouves o retumbar na tua aldeia.

O pombos

Infectos estão os pombos do meu sítio
Padecem de fome
Já poucos lhes dão milho
Infectos estão os pombos do meu sítio
Num estado crítico
De asa caída e de bico calado
As penas quebradas apodrecem
Abdicando

Se no futuro não houver pombos no meu sítio
Dos que voam e dos aprisionados
É porque jazem todos
Os pombos... e quem lhes dava milho

terça-feira, 20 de julho de 2010

Ao meu neto Afonso... e a mim

A minha inquietação que ajusta
ao instante do tentear o passo.
O seu passo. Cambaleado.
Apressado e lento.
E a meu lado, de mãos dadas,
repetir a tenta até à desfilada.
Eu tenho real pressa
de chapinharmos nas poças do imaginário
e saltarmos de estrela em estrela
que dão luz aos oceanos do riso.
E a viajar pelas veredas dos sonhos
desfiaremos os segundos
que forem nossos.

Av. Luisa Todi - ao tempo

Avenida Luisa Todi.
Setúbal.
O tempo que ali fiquei.
Eu que matei o tempo
ao tempo do que fazia.
A horas dadas, certas,
os intervalos.
Sentado a olhar o relógio
que parava no tempo que não queria,
ao lado das bebedeiras caladas
estendidas nos bancos de ripas
sujas dos pombos que conviviam
com a tristeza e a magreza
ao tempo medido.
A sujidade na pausa de uma vida.

Avenida Luisa Todi.
Setúbal.
Poema escrito no meu coração.
Eu, ao tempo dos anos ali sentado,
ganhei a fortuna ao tempo
ao cultivar amizades, ali,
inventando razões.

Carnavais

Bizarro, o desfile saíu.
Avançou na gáspea. De mais.
O frenesim estabelecido nas hostes
apressou o movimento
que parou a mando. Do mandador.
Nos intervalos inventados, o espaço vago,
entre as loucuras e as fantasias inocentes
surgia também enfeitado o chão de basalto
com as serpentinas e os confetes
arremessados em linhas cruzadas
e que ali jaziam por instantes, em paz.
E eram muitos. Mais do que... sei lá!...
mesmo muitos! e muitos, são muitos.

Aqui e ali, salpicando o espaço
seres de hábito diário e de máquina em riste
com flash, registavam de frente, de trás...
bendiziam da ilha à vista.
A satisfação estava no sorriso denunciante.

A folia passava... o povo ficava e o riso caía.
Misturando-se com os papéis coloridos
e o sujo no chão. Espezinhado.
Como no Carnaval de antanho
a alegria passou num ápice
e aportamos ao cais da realidade.
Estado da “tristeza triste”.
— Para o ano, voltamos a atirar confetes.

Reflexo

Salpicado de fungos
também ele do tempo gemia.
O espelho.
O homem nele incubado
linfático, na orla da noite
indagava as cãs das suiças.
Era o reflexo perfeito.
O de quem acorda ao fim de um dia
raso de nada.
Ali estava um homem nu
prestado a contas suas
de seu fabrico
dando a mão à palmatória.

Lambedores

Mesuras e rapapés viscosos
do peitudo que amocha ao soberano.
De postura enrolada, lambido,
o lambareiro que é um filho da puta,
sorri e aplaude os canalhas.

Mais tarde...
depois da dolorosa penetração
a que também ele não escapou,
a gemer, instiga os cães do vizinho.
Ele, na sombra, espera o sarar.

Um pouco mais tarde...
No colo da nova leva de eleitos,
e com as calças em baixo enfoladas
a tapar os sapatos já sem brilho,
ele volta a sentar-se ainda dorido.
Fiel ao grito a reunir:
— Lambedores às botas!... Lambedores às botas!...