quarta-feira, 28 de julho de 2010

Nada mudou

Os arautos do reino
com floreados na manga
e penachos na voz,
a terreiro frequente
anunciam as delícias da plebe:
— As viagens reais
— A novela do Príncipe
— Os jogos florais
— O filho que matou a mãe à dentada
em cima de uma oliveira...
— O machado em contra-mão.

O povo em delírio, repetidamente,
aplaude as novas.
As velhas; impostos e outros assaltos,
são conformados lusitanos:
— Ah!... Não vale a pena...

Nada mudou.

Retumbar

Quando das gaivotas em terra se diz (...)
como o tempo que aí vem,
das vontades reprimidas ensaiadas,
a descambar do reflexo da razão
e que revolve a paz do sino.
— Que alerta.
E tu? Mouco, ou manco da ideia?
Que não sabes das gaivotas
nem ouves o retumbar na tua aldeia.

O pombos

Infectos estão os pombos do meu sítio
Padecem de fome
Já poucos lhes dão milho
Infectos estão os pombos do meu sítio
Num estado crítico
De asa caída e de bico calado
As penas quebradas apodrecem
Abdicando

Se no futuro não houver pombos no meu sítio
Dos que voam e dos aprisionados
É porque jazem todos
Os pombos... e quem lhes dava milho

terça-feira, 20 de julho de 2010

Ao meu neto Afonso... e a mim

A minha inquietação que ajusta
ao instante do tentear o passo.
O seu passo. Cambaleado.
Apressado e lento.
E a meu lado, de mãos dadas,
repetir a tenta até à desfilada.
Eu tenho real pressa
de chapinharmos nas poças do imaginário
e saltarmos de estrela em estrela
que dão luz aos oceanos do riso.
E a viajar pelas veredas dos sonhos
desfiaremos os segundos
que forem nossos.

Av. Luisa Todi - ao tempo

Avenida Luisa Todi.
Setúbal.
O tempo que ali fiquei.
Eu que matei o tempo
ao tempo do que fazia.
A horas dadas, certas,
os intervalos.
Sentado a olhar o relógio
que parava no tempo que não queria,
ao lado das bebedeiras caladas
estendidas nos bancos de ripas
sujas dos pombos que conviviam
com a tristeza e a magreza
ao tempo medido.
A sujidade na pausa de uma vida.

Avenida Luisa Todi.
Setúbal.
Poema escrito no meu coração.
Eu, ao tempo dos anos ali sentado,
ganhei a fortuna ao tempo
ao cultivar amizades, ali,
inventando razões.

Carnavais

Bizarro, o desfile saíu.
Avançou na gáspea. De mais.
O frenesim estabelecido nas hostes
apressou o movimento
que parou a mando. Do mandador.
Nos intervalos inventados, o espaço vago,
entre as loucuras e as fantasias inocentes
surgia também enfeitado o chão de basalto
com as serpentinas e os confetes
arremessados em linhas cruzadas
e que ali jaziam por instantes, em paz.
E eram muitos. Mais do que... sei lá!...
mesmo muitos! e muitos, são muitos.

Aqui e ali, salpicando o espaço
seres de hábito diário e de máquina em riste
com flash, registavam de frente, de trás...
bendiziam da ilha à vista.
A satisfação estava no sorriso denunciante.

A folia passava... o povo ficava e o riso caía.
Misturando-se com os papéis coloridos
e o sujo no chão. Espezinhado.
Como no Carnaval de antanho
a alegria passou num ápice
e aportamos ao cais da realidade.
Estado da “tristeza triste”.
— Para o ano, voltamos a atirar confetes.

Reflexo

Salpicado de fungos
também ele do tempo gemia.
O espelho.
O homem nele incubado
linfático, na orla da noite
indagava as cãs das suiças.
Era o reflexo perfeito.
O de quem acorda ao fim de um dia
raso de nada.
Ali estava um homem nu
prestado a contas suas
de seu fabrico
dando a mão à palmatória.

Lambedores

Mesuras e rapapés viscosos
do peitudo que amocha ao soberano.
De postura enrolada, lambido,
o lambareiro que é um filho da puta,
sorri e aplaude os canalhas.

Mais tarde...
depois da dolorosa penetração
a que também ele não escapou,
a gemer, instiga os cães do vizinho.
Ele, na sombra, espera o sarar.

Um pouco mais tarde...
No colo da nova leva de eleitos,
e com as calças em baixo enfoladas
a tapar os sapatos já sem brilho,
ele volta a sentar-se ainda dorido.
Fiel ao grito a reunir:
— Lambedores às botas!... Lambedores às botas!...